
Texto escrito com Tiago Figueiredo Silva
Texto publicado no Dinheiro Vivo.
Foto de Hélder Santos/Global Imagens
Se não nos estiverem a mentir e se o Banco de Portugal fizer o seu trabalho, é isto:
Passas, champanhe e a notícia de que o Governo recapitalizou o Banif em 1,1 mil milhões de euros. A poucas horas da passagem do ano, são publicadas mais de 150 páginas de densa informação, que se fosse possível resumir numa única frase, seria assim: “o governo vai injetar 1,1 mil milhões de euros para evitar a falência do Banif”.
A operação surpreendeu pelo montante em causa, muito acima do antecipado por alguns analistas – o BPI previa metade -, mas também pelo envolvimento zero dos acionistas privados, pelo menos numa primeira fase, o que fará com que o Estado se torne accionista com quase 99,2% da instituição. O Governo vai injectar 1,1 mil milhões de euros, 700 milhões através da subscrição de ações e 400 em instrumentos de capital contingente (os CoCos) e só mais tarde – até junho -, os acionistas serão chamados para um aumento de capital de mais 450 milhões de euros (150 serão usados para reembolsar os CoCos). Por isso, até lá, o Estado ficará com 99,2% do capital do Banif e mesmo depois, isto se os acionistas acorrerem ao aumento de capital, só reduz para 60,57%, mantendo ainda 49,4% dos direitos de voto.
Estes factos suscitaram dúvidas sobre se o Banif não seria um novo caso BPN, cujo buraco poderá já chegar aos sete mil milhões de euros. No final desta semana, a oposição veio confirmar o receio de esse risco existir e acusou o Governo de opacidade na operação. Mas afinal essas suspeitas fazem sentido? O Dinheiro Vivo ouviu banqueiros e analistas da banca e todos, sem exceção, recusaram essa comparação.
“O BPN era um centro de atividade criminosa, o que, tanto quanto se sabe, não existe no Banif, que tem, isso sim, um problema de falta de dinheiro, de inexistência de acionistas com capacidade para capitalizar a instituição”, adiantou um administrador de um banco. Na sua opinião, situações como a inexistência de garantias, operações duvidosas de concessão de crédito e operações fraudulentas com offshores, como as que aconteceram no BPN com Oliveira e Costa, são hoje praticamente impossíveis de acontecer: “O Banco de Portugal está dentro dos bancos, controla tudo. Por outro lado, de acordo com as novas regras comunitárias, o Banif passará a ser diretamente supervisionado pelo Banco Central Europeu (BCE)”, justificou o banqueiro.
Esta opinião é partilhada por Steven Santos, account manager da XTB. Segundo defende, “o processo de recapitalização do Banif insere-se num contexto de reforço dos rácios de capital exigidos pela nova regulamentação bancária na Europa. Ao abrigo da linha de recapitalização disponibilizada pela troika, o Banif segue os passos do BCP, do BPI e da CGD, não sendo salvo por gestão danosa”.
Um facto que distingue o caso do Banif do dos restantes bancos intervencionados é a entrada direta do Estado no seu capital. “Ao contrário do BPI e até do BCP, o Banif não tem um núcleo duro de acionistas com capacidade de investir”, explicou outro banqueiro. As herdeiras de Horácio Roque, o fundador do banco – duas filhas e a ex-mulher Fátima Roque – mantêm um conflito em tribunal por causa da herança. Numa primeira fase, o Estado assume quase 100% do capital do Banif e só daqui a seis meses, na sequência de um aumento de capital destinado a privados, espera poder perder o controlo do banco. Neste momento, não há qualquer garantia de que o aumento de capital seja bem sucedido. Os acionistas do Banif Rentipar (família Roque) e Auto-Industrial já se comprometeram a subscrever 100 milhões e o BES 50, mas ainda está por garantir o restante. Nesse caso, o Estado juntará mais um banco ao universo CGD.
Outra diferença entre Banif e BPN, além da gestão competente, é que o Estado é remunerado pelo empréstimo de 1,1 mil milhões de euros. As previsões apontam para um encaixe de 333 milhões de euros com a recapitalização – 261 milhões em dividendos, 29 milhões com a venda de ações do banco e 43 milhões que o Banif vai pagar em juros pelo reembolso das CoCos.
Outro ponto pacífico entre os especialistas ouvidos pelo Dinheiro Vivo é o de que o Governo fez bem em não deixar cair o Banif. “O Estado agiu de forma a proteger a integridade e confiança do sistema financeiro”, disse Pedro Lino, CEO da corretora Dif Broker.
Na opinião de um administrador de banco, o risco sistémico do Banif “é sempre algum”: “O Banif passará a ser supervisionado diretamente pelo BCE e mesmo assim o Governo interveio, o que pressupõe o entendimento de que o risco existe”.
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