Texto publicado no Dinheiro Vivo
Numa altura em que se fala tanto da recuperação da economia, ancorada, sobretudo, na recuperação do consumo privado, a discussão sobre novos cortes salariais no sector privado é destrutiva. Os efeitos deste debate, sobre o qual, para não variar, ninguém se entende – a troika pede ao governo mais medidas para reduzir as remunerações, mas depois diz que não é bem assim – prejudicam e muito a perceção das famílias sobre o andamento da crise e da economia.
Se se espera que sejam estas a puxar pela economia, em 2014 e 2015, porque também há limites do lado das exportações, como é que alguém levanta a mera possibilidade de avançar com mais facadas no rendimento disponível?
O Banco de Portugal parece ter compreendido o perigo imenso destas declarações e no seu boletim de inverno, publicado esta terça-feira, vem dizer precisamente o contrário. A instituição admite, agora, que existe margem para aumentos salariais no privado, ao longo dos próximos dois anos.
Aquilo que parece uma completa esquizofrenia pode, porém, ter como objetivo tentar sossegar quem assiste, em direto, ao debate sobre mais austeridade, sob a forma de cortes salariais, ao mesmo tempo que suporta a tese do Governo, que como é expectável, dado o momento do ciclo político, defende que o ajustamento já está feito.
Na sua análise, o Banco de Portugal diz: “Depois de uma reação brusca ao programa de ajustamento, as famílias parecem estar a entrar numa situação de maior estabilidade”. Mas o Banco de Portugal deixa bem claro que os riscos das suas previsões são consideráveis: “Basta que as pessoas percecionem uma quebra de rendimento disponível mais permanente e que as medidas do Orçamento de 2015 provoquem uma retração no consumo privado”. Pois basta.
Haverá disponibilidade para aumentar a propensão a consumir quando as dúvidas e a desconfiança são enormes? Alguém sabe, por exemplo, se as medidas do Orçamento do Estado 2014 vão passar pelo crivo do Tribunal Constitucional e se não, qual será o plano B do governo?
As instituições que anunciam a retoma, que reveem em alta as previsões, parecem comportar-se como se a realidade já tivesse mudado. Mas não, até pode estar a mudar, mas ainda não se sente.
O consumidor é que mudou e, conforme explicam os especialistas, nada voltará a ser como antes. Mesmo na hipótese estapafúrdia de o rendimento disponível voltar ao antes da crise, o consumo jamais voltará a subir 11%, o valor da queda registada entre 2011 e 2013. Será preciso contar com o novo valor do dinheiro e, ainda, infelizmente, com a o facto de a pobreza ter regressado ao país e à Europa. Complexidades novas que não se coadunam com declarações irrefletidas nem com otimismo inconsequente.
huuum… tenho as minhas dúvidas que o consumidor se torne “inteligente”… O tempo dirá!
Pois… Mas os estudos mostram q a relação com o dinheiro mudou. E que por causa da austeridade damos mais valor a outras coisas. Sábado publico uma entrevista muito interessante. Beijinhos