
Entrevista publicada no Dinheiro Vivo
Entrevista feita com Hugo Neutel/TSF
Fotografia de Diana Quintela
João César das Neves é economista, professor catedrático na Universidade Católica e autor de mais de trinta livros de economia. Frontal, é com entusiasmo que fala sempre que debate os temas da economia e do país e quando defende a instituição família e os valores da religião católica.
Nesta quinta-feira, recebeu na sua Faculdade o ex-ministro das Finanças, Vítor Gaspar, para falar sobre um assunto tão atual como polémico: a reestruturação da dívida do Estado.
Escreveu, recentemente, que quem pede perdões de dívida sabe o que diz mas não sabe o que faz. O que quer dizer com isto?
As pessoas são míopes, olham para o imediato. E isto não é um almoço grátis, porque terá enormes custos no futuro. Por isso é que os países andam a tentar o impossível para não pedir o perdão. Se fosse tão fácil como as pessoas dizem, toda a gente pedia perdões. O perdão faz com que as pessoas fiquem a arder com o seu dinheiro. E é importante dizer, que são donas de casa, funcionários, pessoas como nós, que puseram dinheiro no banco. Aliás somos mesmo nós, porque a maior parte da dívida do Estado está, neste momento, em bancos portugueses e, portanto, é o nosso dinheiro, que está depositado nos bancos, que ficaria a arder. Quem fala de perdão nem sequer está a perceber esse ponto. Mas, sobretudo, o que estão a esquecer é que isto tem custos durante muito tempo. Um país que renuncia à sua dívida, ou que pede perdão, vai ter que pagar isso com língua de palmo, durante muito tempo, por não ter acesso ao crédito, o que, aliás, estrangularia o país, e depois, por ter taxas de juro muito mais altas, que se pagariam durante muito tempo. É por isso que não anda toda a gente a pedir perdão da dívida. Se fosse assim, era fácil, endividávamo-nos e depois olha, azar, não pagávamos. A maior parte das pessoas não sabe qual é o custo verdadeiro do que está a dizer.
Segundo alguns economistas, reduzir a dívida sem taxas de crescimento consideráveis será impossível. Cristina Casalinho escreveu esta semana: “Para se reduzir a dívida pública nos próximos 20 anos, seguindo as novas regras orçamentais europeias, a manutenção do défice público da última década exige um crescimento económico real de 8%”. E agora?
Isso é verdade.
Crescer 8% ao ano é impossível.
Claro.
Qual é a solução?
Nós metemo-nos num grande buraco, agora só há más soluções. A solução do perdão é uma má solução. Há outras soluções e são todas más. Há várias maneiras de um país reduzir a sua dívida. Uma delas é pagá-la, com austeridade, que vai gerar custos enormes; outra maneira, é aldrabar os credores. E há várias maneiras de aldrabar os credores. Uma delas, é dizer “não pago”- é raro acontecer isto -, outra é restruturar a dívida, pagar mais tarde, pagar com outras condições, e ainda outra, é inflacionar, ou seja, pagar ao credor com dinheiro que não vale nada, desvalorizar a moeda.
Isso já não podemos fazer…
O Banco Central Europeu (BCE) pode continuar a fazer. Eu acho que, a nível europeu, era importante arranjar um mecanismo, e há vários a serem discutido, todos eles maus, de aliviar o peso da dívida dos países. Isto é uma coisa completamente diferente de Portugal, sozinho e arrogante, dizer assim :“eu quero perdão da dívida”. Isso é estúpido. Portugal, sozinho, avançar e pedir o perdão da dívida, é um disparate enorme, vai ter o custo todo. Agora, os europeus, em particular, os credores, estão a começar a perceber que estrangular os devedores é mau para todos. É preciso arranjar aqui uma maneira de aliviar o custo dos devedores e também, de passar esse custo para os credores. Neste caso, até é relativamente fácil, porque temos um árbitro evidente, que é a Comissão Europeia, a União Europeia, o BCE. Isto foi feito nos anos 80 com a dívida dos países do terceiro mundo e aí não havia um árbitro evidente, foi o governo americano.
Não se trata de perdão mas de outros mecanismos, como alargamento de prazos, perdão de juros.
Há várias maneiras e técnicas de fazer. Eu nem sequer domino o tema, porque não sou financeiro. O ponto fundamental é retirar o estigma de pedir o perdão e, no fundo, roubar os credores. Isso já não é possível fazer porque foi isso que aconteceu na Grécia. A Grécia, por duas vezes, faliu. Quando um país vai à falência não é a mesma coisa que quando uma empresa vai à falência, porque não é vendido em hasta pública. Portanto, restruturar a dívida é falir. Agora, há reestruturações e reestruturações. O que devia acontecer era a Europa perceber que fez um disparate enorme, toda a Europa, os devedores e os credores, e que este desequilíbrio interno está a pôr em risco a própria União Europeia, e de que os custos sobre todos de uma longa estagnação, ou pior ainda de uma partição de isto tudo, que aliás a longa estagnação provavelmente gerará, são enormes.
Mas Portugal não deve tomar a iniciativa?
O ultimo interessado em fazer isso é Portugal, porque os custos serão brutais.
Para não lançar o pânico.
Em Portugal, as coisas correram mal porque fomos os últimos a perceber o problema. Enquanto a Grécia e a Espanha começaram, a sério, a apertar o cinto em 2008, nós só em 2011. E, pelos vistos, alguns ainda não cortaram mesmo, porque, como estamos a ver, alguns grupos protegidos – os piores são os que estão escondidos – conseguiram não ter cortes tão significativos quanto deviam. Isto está a estrangular-nos a todos.
Portugal vai precisar de algum desses mecanismos que mencionou para aliviar o peso da dívida?
Neste momento, ninguém pode dizer isso. Posso dar um palpite mas é importante dizer que palpite é palpite. Provavelmente, não vamos conseguir sair deste primeiro programa em 2014. De facto, as coisas correram mal, algumas coisas correram bem, mas outras bastante mal. E estamos a poucos meses do fim do prazo, pelo que o mais provável é que precisemos de outro resgate. Não é ainda a falência, não é a restruturação da dívida, é pagar com a ajuda dos amigos. Continuamos a honrar todos os nosso compromissos, mas os nossos amigos na União Europeia e o FMI continuam a dar-nos mais um tempinho para isso. Será preciso vir a reestruturar a dívida? Toda a gente está a apostar que não. A reestruturação da dívida é uma coisa extraordinariamente penosa, que já aconteceu duas vezes na Grécia e que ninguém quer que aconteça outra vez. Se acontecer em Portugal, a derrocada será muito grande para Portugal e será muito grande para o que se segue. Existe um efeito dominó e, portanto, as pessoas começam a olhar para quem vem a seguir, e a seguir a Portugal é a Espanha, e a Espanha já não é a feijões, como Portugal e Grécia. E depois, a Itália. É muito importante para toda a Europa que Portugal não caia, ou seja, que Portugal honre os seus compromissos, com mais ou menos ajuda. Para isso, era preciso que os portugueses colaborassem, e o que temos aqui é uma data de gente a fazer birra. Não são os portugueses, que a maioria dos portugueses até já está a apertar o cinto e a dar a volta. Existe um grupinho de elite, que todos conhecemos, que está a fazer birra, como se isto fosse uma coisa imposta pela Europa.
Nunca deixa nada por dizer. Que grupinho de elite é esse?
Há dois grupos claríssimos, uns mais visíveis, outros menos. O primeiro, é feito de interesses à volta do Estado. Estou a falar dos médicos, dos professores, dos funcionários, das câmaras, os que vemos nas ruas aos gritos. Não se veem manifestações de pobres e desempregados em Portugal, não se veem manifestações de emigrantes. Os verdadeiros oprimidos, os verdadeiros proletários, desses, ninguém fala. Infelizmente, em Portugal, não temos nenhum partido a defender os pobres. A maior parte das manifestações, dos protestos dos partidos, são para defender a manutenção de benesses que, evidentemente, são pagas pelos impostos dos pobres. Depois há um outro lado, mais oculto, e que tem a ver com empresas, sobretudo, as grandes empresas, que estão próximas do Estado, as que têm no Estado um grande cliente. Os bancos são claramente uma entidade, as construtoras, e outras, enfim, a EDP, as rendas da EDP, toda a gente fala nisso. Um conjunto de grandes empresas, que ainda por cima, são as mais visíveis, essas andam contentes, não reestruturaram muito, não se vê grande reestruturação. Já nas pequenas e médias empresas (PME), toda a reestruturação foi brutal, mas nas grandes não se vê muito isso. A começar pelos bancos, mas depois, espalha-se por diferentes sectores. É um problema gravíssimo da economia, porque, ao contrário do que acontecia antigamente, desta vez há um grupo importante de empresas que não ajustou. Continue reading “João César das Neves: “Os bancos e as grandes empresas não ajustaram”” →
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